O Convidado Especialista desta semana não é médico e tão pouco o conheço pessoalmente. O Jorge Montez é jornalista e viajante. Meteu na cabeça que havia de ir do extremo ocidental da Europa (Cabo da Roca) à cidade mais oriental do continente asiático (Vladivostok). Uma travessia da Eurásia, em um ano, (quase) sempre de comboio. Ouvi o seu relato numa entrevista na Antena 1, onde fiquei a conhecer este projecto e a saber que tem um filho, o Miguel (17 anos). Como esta não é a primeira vez que o Jorge se separa da família por longos períodos e distância, fiquei curioso em saber como lida com a saudade e com a distância. Primeiro, porque cada vez mais são os pais que partem à frente à procura de melhores oportunidades de emprego no estrangeiro; segundo, porque eu próprio farei uma viagem sem a família à China. Apesar de ser apenas uma semana, vai custar separar-me dos pequenos. Escrevi-lhe a pedir um testemunho e algumas dicas. O Jorge prontificou-se e escreveu este texto emocionado que partilho convosco. Para acompanharem as viagens do Jorge Montez, visitem o blogue da TSF, o Tanto Mundo e o Just a BackPacker (inglês).
Estratégias para lidar com a saudade: uma experiência pessoal
Jorge Montez
Talvez seja mesmo especialista da saudade. Não tinha pensado nisso antes de ter sido convidado para compartilhar a minha experiência, mas a verdade é que cada dia que passa se vai tornando mais difícil. E no entanto estou a fazer o que gosto, a atravessar a Eurásia numa viagem que começou no Cabo da Roca e que me levará a Vladivostok – a grande cidade mais oriental do grande continente.
O maior problema é que deixei para trás a Fátima, a mulher com quem partilho a minha vida há mais de 20 anos (e sei que ela me vai desculpar o que vou dizer a seguir) e – fundamentalmente – o Miguel.
O Miguel, de cabelos revoltos, olhar cheio de futuro e sorriso onde cabe o mundo, já tem 17 anos. Está bem longe dos tempos em que pela primeira vez o deixei por um longo período. Foi um dia depois de a mãe regressar ao trabalho após a licença de parto. Certamente não podia ter escolhido pior altura, mas parti. E os meses que então passei em Sarajevo foram particularmente duros.
Não apenas por causa do lugar em si – Sarajevo estava a sair da guerra e as tropas internacionais ainda não se tinham instalado no terreno – mas fundamentalmente porque partia com um sentimento de traição que me não largava. Estava a arriscar a vida por amor à profissão, deixando para trás o meu filho, então com três meses. E não havia internet nem telemóveis. Não lá. Por isso a estratégia de combater a saudade era manter bem presente a memória dos meus e estreitar relações com quem estava na mesma situação, como era o caso do oficial de operações do destacamento militar português no terreno.
E não me perguntem como, mas as nossas mulheres organizaram-se (uma em Lisboa outra em Setúbal) para nos fazer chegar prendas no Dia do Pai. Ainda hoje me emociono quando olho para a estampa azul da mão do Miguel.
Uns tempos depois de Sarajevo decidi abdicar de uma carreira como repórter no jornalismo e mudámo-nos com armas e bagagens para Viana do Castelo, onde durante 15 anos fui sempre um pai presente. Até que voltei a partir.
Hoje, é claro, tudo é diferente. Não apenas porque a viagem em que estou metido não implica riscos de maior mas também porque a comunicação é extremamente fácil. A minha família está à distância de um click e falamos quase todos os dias.
Depois da Europa, passei pela Turquia, Irão, Índia, Singapura, Malásia, Tailândia, Laos e Cambodja. Quando escrevo estas linhas é o Vietnam que me abre as portas. São já mais de sete meses de viagem. É muito tempo.
Como lido com a saudade?
A primeira estratégia é fazer deste um projecto de toda a família. Quando falamos via Skype discutimos alternativas, conto-lhes os pequenos episódios que vou vivendo e tudo aquilo que me espanta. Eles, por seu turno, vão-me pondo a par do dia-a-dia.
O Miguel, a sair da adolescência, não fala comigo diariamente. Mas por vezes temos longas conversas de auscultadores na cabeça para que sejam só nossas. E então é todo o mundo que se estreita – parecendo comprovar a Teoria da Relatividade.
E escrevo. Escrever é a minha vida e quando a saudade se impõe com uma veemência que não deixa lugar a outros sentimentos, escrevo sobre eles nos blogues que mantenho.
Escrevo-lhes cartas que são pessoais mas que sei que serão vistas por todos quantos o queiram. É, se quisermos, uma catarse. Quero que todos saibam o quanto os amo e o quanto lhes devo. Porque sem a sua força – a força que me dão – seria impossível ter já mais de 20 mil quilómetros de percurso.
E sempre que é preciso digo presente. Como no dia em que a Fátima me ligou porque o Miguel precisava da minha ajuda. Estava quase a atravessar a fronteira norte entre a Tailândia e o Laos. Larguei tudo e pus-me à procura de um lugar com conexão Wi-fi.
O Miguel estava envolvido num concurso “Eurodeputado Jovem” e precisava que eu o ajudasse com o discurso que tinha de proferir nessa noite. Precisava, fundamentalmente, que o ajudasse com as respirações. Passou-me o texto e durante não sei quanto tempo estivemos a trabalhar nas pausas.
A mais de 13.000 quilómetros de distância consegui dizer presente quando o meu filho precisou de mim. Foi o momento mais recompensador da viagem.
Ah!, e o Miguel ganhou, tendo o mérito de ser totalmente atribuído a ele, e em Agosto vai visitar Bruxelas. Estará a nascer mais um viajante?