Por vezes é preciso de falar de coisas sérias. E é com coisas sérias que retomo os convidados especialistas cá do blogue. O divórcio é cada vez mais frequente. As razões são múltiplas, mas as consequências sobre as crianças são quase sempre as mesmas. A Dra. Filipa Teiga é psicóloga clínica da APAC (Barcelos) e do Gabinete de Fisioterapia, Saúde e Bem Estar (Porto). Ela coloca os pontos no ‘i’s e tenta combinar algumas estratégias para minimizar os danos colaterais.
O impacto do divórcio nas crianças e adolescentes
Filipa Teiga
O divórcio, como uma situação de perda, está aliado a um processo de luto. Segundo a primeira teoria apresentada por Kubler Ross, o divórcio engloba cinco etapas, sendo estas: Choque, Negação, Caos Emocional, Aceitação Intelectual e Recuperação.
- Choque – O momento em que um elemento do casal quer o divórcio, mas o outro não. Deste modo, a situação não parece real para o próprio que vive um período de transe e adormecimento.
- Negação – Após tomar consciência da realidade, até então desconhecida, apercebe-se que a mesma se revela extremamente negativa e violenta para a aceitar, por isso prefere negar a sua existência. A dor é demasiado intensa para ser observada, utilizando como estratégia de fuga e defesa, a negação. Nesta fase existem oscilações de humor significativas.
- Caos Emocional – Considerado o “caldo” de várias sensações, que passam da euforia à depressão. Tomam consciência do término da relação e abrem-se novas perspetivas.
- Aceitação Intelectual – Começo da aceitação da nova realidade. Existe uma maior estrutura, novas rotinas são implementadas e o futuro começa a ter novos horizontes.
- Recuperação – Surge a tranquilidade. É possível observar o passado com serenidade sem sentimentos negativos.
Neste processo, a negação é sem dúvida uma das fases de maior complexidade, principalmente para as crianças. A fantasia da união, que surge nesta fase de negação, traduzindo a ilusão de que os pais vão reatar, é muitas vezes reforçada pelos próprios pais, através dos seus comportamentos, como irem a festas de família ou partilharem os mesmos espaços com o objetivo de diminuir o sofrimento da criança. Contudo, estas situações vão criar mais ilusões e consequentemente desilusões, bem como atrasar o seu processo de luto, aprisionando-o na negação. As crianças prendem-se a esta fantasia como um bálsamo para a sua dor, pois dessa forma camuflam a realidade nefasta e acreditam que em breve tudo não passará apenas de um “sonho mau”.
Neste sentido, para impedir que a fantasia da união ocorra ou persista, é fulcral que a criança perceba a irreversibilidade do divórcio, para isso os pais têm o dever de desmistificar e acalmar a criança para que esta possa prosseguir e realizar o processo de luto de forma adequada. Os pais devem privilegiar a verdade e ainda não manipular a relação da criança com o ex-cônjuge. Devem evitar frases como: “Se a tua mãe não tivesse saído de casa, estávamos felizes”, “Se o teu pai estivesse aqui, teríamos possibilidades para te dar a bicicleta”, “O teu pai agora não quer saber de nós, já não se preocupa”, “A tua mãe agora não pode gastar dinheiro contigo porque tem outra família”, “A tua mãe não tem tempo para te ligar porque tem que cuidar da nova família”.
É fundamental que lhe transmitam maior segurança e amor, bem como dedicar-lhes o tempo e a atenção que necessitam para apreender esta nova realidade. Devem explicar que as rotinas vão ser alteradas, mas assegurar acima de tudo que vão estar sempre protegidos!
Os pais terminam a conjugalidade, mas não a parentalidade! Por isso devem reforçar a ideia de que se separaram um do outro, mas não da criança ou jovem. Os pais devem procurar substituir as frases negativas por: “Vamos mudar algumas rotinas, mas até vai ser mais giro, vais ver”, “A partir de agora sou eu que te vou buscar à escola, porque a mãe está a trabalhar”, “Tudo se vai resolver, não tens que estar preocupada, os pais vão estar sempre aqui para tudo”, “Vamos gostar sempre de ti da mesma forma”, “Independentemente de estarmos separados um do outro, nunca estaremos de ti”, “Vamos proteger-te sempre”.
Estas estratégias devem ser sempre asseguradas, independentemente da idade da criança. O adolescente torna-se, mais impulsivo e distante, podendo até perder a noção de “lar” ou enveredando por comportamentos delinquentes, o que exige que os pais garantam um ambiente mais estruturado e sejam mais assertivos nesta partilha de sentimentos e pensamentos. A escuta ativa das crianças e adolescentes é primordial para o seu bem-estar emocional.

Os custos emocionais para os pais podem intensificar-se na fase do divórcio, conduzindo a uma diminuição significativa da sua disponibilidade e atenção às necessidades dos filhos. O medo que as crianças sentem do abandono dos pais, a destruição do seu porto de abrigo, a culpabilização que muitas vezes depreendem do estado emocional dos pais, são efeitos nefastos no seu desenvolvimento. A parentalidade disfuncional tem um papel dominante no desenvolvimento de comportamentos de risco dos filhos, perante uma diminuta supervisão, um ambiente desestruturado e inconsistente no que concerne a regras e limites impostos, um distanciamento entre pais e filhos, discussões e críticas negativas, podem contribuir para comportamentos delinquentes e antissociais.
Como consequência, as crianças e jovens ficam expostos e mais propensos a perturbações psicológicas, por vezes de forma profunda para toda a vida. Deste modo, o divórcio terá, a longo prazo, uma influência bastante significativa, alterando a visão dos filhos de pais divorciados relativamente a relações futuras; uns investem numa procura incessante pelo parceiro ideal que partilhe um compromisso sério e estável, outros recusam envolver-se em compromissos sérios para evitar o sofrimento de uma “relação falhada”.
As sequelas emocionais são, sem dúvida, as mais significativas, descrevendo marcas que permanecem e demoram a curar.
Por fim, é importante compreender que o divórcio altera significativamente a dinâmica familiar, tendo os pais, muitas vezes com o auxílio de especialistas, um papel fundamental no estabelecimento e manutenção da estabilidade emocional e comportamental das crianças e adolescentes.
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