Prepúcio, fimose e circuncisão

Não há tema que suscite mais dúvidas entre as mães (e, embora muitos não admitam, entre os pais também) como a pilinha da criança. É um tema que ocupa muitas consultas de Cirurgia Pediátrica. Começa logo pelo prepúcio. Esta pelezinha que recobre o pénis dá pano para mangas (trocadilho intencional).

Uma das dúvidas que mais me colocam é se devem ou não retrair o prepúcio e até onde. Ao nascimento, o prepúcio está aderente à glande do pénis. Durante os primeiros meses, a produção de esmegma (espécie de gordura) faz com que a o prepúcio vá descolando lentamente. Mais tarde ou mais cedo, esta substância amarelada aparece na ponta da pilinha do menino ou fica visível à transparência junto à glande. Por vezes, é confundido com pús, mas não se trata de uma infecção nem exige outro tratamento que não seja lavar com água.

Como é que sabemos se o descolamento está completo? Noventa por cento dos meninos terão descolamento e retracção completa do prepúcio pelos 3 anos de idade. Por esta altura (ou quando o médico assitente indicar), durante ou logo após do banho, quando a pele está mais humedecida e laxa, os pais devem fazer uma retracção leve do prepúcio. Fazer até onde conseguirem sem nunca forçar. É frequente notar-se um aperto a toda a volta, o chamado anel prepucial. Forçar a passagem deste anel pode fazer sangrar esta pele, magoando o menino e levando a uma cicatriz (causa de fimose). Havia o hábito antigo (infelizmente não completamente abandonado) de forçar um descolamento na consulta. Na maioria das vezes, as criança deixava de confiar no médico que lhe tinha feito a maldade e nos pais que tinham sido coniventes, agarrando-o à marquesa, pelo que  pura e simplesmente não deixava ninguém tocar ‘no seu instrumento’, durante longos meses. Logo, o prepúcio voltava a aderir e, muitas vezes, desenvolvia a tal cicatriz (fimose cicatricial). Se a retracção for feita progressiva e diaramente, haverá uma altura em que a pele virá completamente para trás.

O que é a fimose? É a incapacidade de retracção do prepúcio, por impedimento do tal aperto prepucial. Pelo exposto acima, a fimose é normal (ou fisiológica) até aos 3 anos. Para além da cicatriz, existem outras causas (como a inflamação e infecção local) que podem fazer com o anel fique mais duro e difícil de ultrapassar. Nalguns casos, o tratamento com creme corticóide pode ajudar a alargar o anel. Nos casos cicatriciais, apenas a cirurgia resolverá o problema.

A circuncisão consiste no corte circular da pele do prepúcio de forma a tirar este ‘aperto’. É uma cirurgia sob anestesia geral e, na maioria dos casos, não necessita de pernoita no hospital. Regra geral, o desconforto da cirurgia é bem tolerado com paracetamol e/ou ibuprofeno associado a aplicação dum creme com antibiótico e anti-inflamatório corticóide localmente. Dependendo dos meninos, podem voltar à escola passados 3 dias e retomar o desporto passadas 3 semanas.

Quebrar o tabu. Numa sociedade em que a nudez e o sexo aparecem a cada passo na televisão e nas revistas, é estranho haver um grande tabu à volta do pénis dos miúdos e dos graúdos. A vergonha de falar do pénis pode ser particularmente complicada com a entrada na adolescência. Muitos pais referem que não controlam o que o menino já crescido faz no banho, pelo que deixam de saber se ele tem dificuldade ou não em retrair a pelezinha para trás. Por isso é importante quebrar o tabu e explicar os cuidados de higiene a ter com o seu prepúcio: puxar sempre para trás para urinar e lavar no banho. Uma forma discreta de monitorizar se a criança o faz correctamente é a inspecção das cuequinhas. Os vestígios de urina na cueca podem significar que o prepúcio não está a ser puxado durante a micção. Ela acumula atrás do prepúcio quando o menino faz xi-xi, caindo posteriormente para a cueca.

Depois, deixar as crianças sempre à vontade para falar de alguma dúvida que tenha, sinais de infecção, dor com a ereção, etc. A propósito deste último, é frequente alguns meninos terem uma fimose que só se manifesta por dificuldade em fazer a retração prepucial com o pénis erecto. Muitas vezes, apenas o freio (ou frenulum) peniano dificulta essa retração, pelo que pode ser necessária a circuncisão ou apenas uma plastia para libertar esse freio e alargar o anel fimótico.

fonte; yourwholebody.org

Circuncisão profilática? Têm aparecido vários estudos que demonstram eventuais benefícios da circuncisão profilática. Ela diminui o risco de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), incuindo o VIH/SIDA, o herpes simplex, o papiloma vírus e a sífilis, particularmente em populações de riscco. Obviamente, a circuncisão por si só não previne as DSTs. A prevenção das DSTs faz-se contrariando os comportamentos de risco, entre eles o sexo desprotegido sem preservativo. Os benefícios para quem não começou uma vida sexual ativa são a dimunição das infecções urinárias (benefício muito ligeiro nas crianças) que nunca tiverem nenhuma infeçao urinária nem têm malformações urológicas) e prevenção das balanopostites (infecção da glande e do prepúcio) e da fimose.

Se estes benefícios suplantam os riscos e a dor inerentes a uma circuncisão é alvo de grande debate entre os cirurgiões pediátricos. Mais, existem várias religiões que preconizam a circuncisão logo ao nascimento (ou nos primeiros anos) e do outro lado grupos que entendem a circuncisão por razões religiosas ou culturais uma mutilzação desnecessária. Os estudos são escassos, mas o prepúcio tem uma enervação muito rica e é parte do orgão do prazer/erógeno masculino. Por isso, para quê mexer no que está a funcionar bem?

Polémicas à parte, as recomendações da Sociedade Europeia de Urologia Pediátrica indicam que a circuncisão deve ser feita apenas quando há indicação médica para tal e discutido caso-a-caso com os os pais (e com o adolescente, se já for mais velho). As infeções recorrentes (urinárias ou do prepúcio) podem ser indicação para circuncisão nos meninos sem fimose. Quanto à prevenção das DSTs, especialmente com a vacinação universal contra o papilomavirus instituída em Portugal, a circuncisão parece não fazer sentido.

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