A ciência de comunicarmos bem com os nossos filhos

Um artigo de opinião muito interessante no JAMA Pediatrics chamou-me a atenção para um tema que há muito queria falar aqui no blogue. O título ‘The 30 Million–Word Gap’ refere-se à diferença que existe entre o número de palavras que as criança de meios socialmente mais favorecidos e as crianças de meios mais pobres ouvem nos primeiros 3 anos de vida. Este valor é uma estimativa feita a partir dum estudo dos anos 60 que acompanhou o desenvolvimento de 42 crianças. A conclusão principal foi que as crianças de meios mais ricos tinham um desenvolvimento cognitivo e um desempenho escolar superior ao dos meios desfavorecidos, mas o que mais se destacava era que mais importante do que o dinheiro que entrava em cada família era o  número de palavras que a criança ouvia. Ou seja, mesmo vivendo em meio pobre, a criança que fosse bem estimulada verbalmente, conseguia atingir todo o seu potencial e conseguir resultados escolares equiparados às crianças das famílias ricas.

 

Este conceito tem sido confirmado por estudos posteriores e tem marcado alguma revolução da forma como se vê do desenvolvimento neurológico das crianças, também referido como neuroplasticidade. O desenvolvimento da linguagem verbal interage com todas as partes do cérebro e melhora as capacidades da matemática, da expressão artística, do auto-controlo e por aí fora. Alguns estudos conseguiram provar que estimular a linguagem verbal e não verbal nos primeiros 3 anos de vida relaciona-se com maior sucesso no mercado de trabalho e no dinheiro recebido na vida adulta. É um mundo de possibilidades e que pode quebrar o ciclo de pobreza a que muitas  famílias parecem estar vetadas. De facto, a educação é a solução para melhorar o futuro de todas as crianças (em particular as menos favorecidas), mas, se precisamos de melhorar o estímulo que recebem nos primeiros 3 anos, teremos a necessidade de actuar precocemente e sobre as famílias. Daí, a existência de muitas campanhas de ‘leitura desde o berço’, dos ‘15 minutos dedicados à brincadeira com os filhos’, etc.

 

Existe um livro muito interessante que explica o como e o porquê da importância de comunicar bem com as nossas crianças. Chama-se Thirty Million Words e foi escrito pela Dra. Dana Suskind, uma otorrinolaringologista pediátrica da Universidade de Chicago. No decorrer da sua especialização em implantes cocleares, ela começou a verificar que os resultados conseguidos após colocação deste aparelho que restitui a audição a crianças com surdez profunda variavam muito, consoante o estímulo verbal em casa era mais ou menos intenso, mesmo para crianças da mesma idade e com implante colocado na mesma altura. Foi o mote para escrever um livro muito giro que fala do desenvolvimento cerebral, comunicação de e para crianças, da educação dos filhos, entre outros.

 

Baby talking to his mom

[fonte: earlychildhoodeducationwebsites.blogspot.com]

 

A Dra. Dana Suskind percorre muito do conhecimento actual sobre a neuroplasticidade das crianças, explica porque é que ela é máxima no primeiros 3 anos de vida, e baseia as suas conclusões com estudos científicos. As descrições são pormenorizadas, mas tomei notas das suas principais conclusões em relação à forma como nós (pais, cuidadores, professoras) devemos falar com as crianças. São notas telegráficas que partilho aqui convosco. Quem quiser saber mais pormenores, sugiro a leitura do livro que, apesar de ser em inglês, é de leitura muito acessível.

 

1. Os pais devem começar a falar com o seu bebé desde o nascimento. O estímulo verbal deve começar desde o berço, porque a métrica das palavras e os fonemas vão activando os circuitos neurológicos dentro da sua cabecinha: neuroplasticidade. Como o recém-nascido não responde de volta, a conversa pode ser difícil de manter. Uma solução: ler em voz alta. Não precisa de ser um livro infantil, pode ser um romance que estava a ser adiado ou uma relatório do trabalho.

 

2.  A linguagem entre pais (ou cuidadores) e a criança deve ser rica em quantidade e em qualidade. Em vez de falarmos telegraficamente com os filhos ou responderemos Sim/Não, devemos elaborar frases completas, juntar muitos adjectivos, substantivos novos, verbos variados.

 

3. A linguagem deve ser mais positiva do que negativa. Em vez de repetirmos sempre ‘não faças isto’, ‘não digas aquilo’, devemos substituir por frases positivas: ‘faz antes assim’ ou (ainda melhor), ‘e se tentasses antes ir por ali?’

 

4. Usar a abusar do falar-à-bebé. As sílabas agudas e palavras mais cantadas torna-as mais perceptíveis para o bebé. Isto é diferente de ‘abebezarmos’ a linguagem de uma criança que já articula palavras completas.

 

5. Procurar sempre o contacto visual. A comunicação é mais eficaz e favorece o desenvolvimento cerebral se houver um feedback imediato dos pais ao que a criança diz. Este pode ser tão simples como um esgar da face ou uma repetição de termos.

 

6. Falar muito dos números, das formas e das cores, logo nos primeiros meses. Hoje acredita-se que os bebés nascem com uma capacidade inata para perceber números não-verbais. Numa experiência com recém-nascidos, mostrou-se que quando estes ouviam ‘tu-tu-tu-tu’ olhavam mais tempo para imagens com 4 quadrados. Um outro estudo, aos 6 meses mostrou que a forma como ligavam o número de sons ao número de objetos predizia a sua habilidade matemática mais tarde, quando já tinham 4 anos.

 

7. Elogiar mais o processo e menos o carácter da criança. É melhor elogiar a ação (exemplo:  parabéns, esforçaste-te e conseguiste resolver esse problema) versus elogiar o temperamento/feitio da criança (para o mesmo exemplo: resolveste o problema porque és mesmo inteligente). Alguns estudos provam que ‘hiperinsuflar’ o ego da criança pode ser prejudicial, pois torna-as mais passivas, mais dependentes do elogio/julgamento externo, mais mentirosas (no intuito de agradar sempre), mais focadas na opinião dos outros e menos auto-críticas.

 

8. Substituir ordens por raciocínios lógicos. Se em vez de ‘arruma os brinquedos’ substituirmos por ‘agora que já brincámos tudo, o que fazemos a estes brinquedos?’, treinamos a autonomia da criança e promovemos a sua auto-regulação.

 

O livro continua com uma estratégia para implementarmos estes conceitos no nosso dia-a-dia. Mas isso fica para um segundo post, porque este já vai longo e com muita informação para digerir.

 

 

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