Sempre pensei que Elvis Presley tivesse morrido de enfarte agudo miocárdio, disritmia cardíaca, overdose medicamentosa ou uma combinação dos anteriores. Sabia que a morte do Rei fora sempre envolta em muita controvérsia. Era conhecida a dependência que tinha de várias drogas, algumas delas prescritas pelo não menos controverso Dr. Nick Nichopoulos. O Dr. Nick era o médico pessoal de Elvis e ficou conhecido por prescrever todo o tipo de drogas a celebridades da época, entre eles o também cantor Jerry Lee Lewis. Já depois da morte de Elvis em 1977, o Dr. Nichopoulos foi suspenso pelo Tennessee Board of Medical Examiners exactamente pela sua prescrição ‘liberal’ de fármacos.
Voltando a Elvis, é possível que ele sofresse de obstipação crónica devido a Doença de Hirschsprung, também conhecido por megacólon congénito, uma doença que os cirurgiões pediátricos conhecem bem. Trata-se duma doença em que o cólon (intestino grosso) não consegue fazer a propulsão das fezes até ao ânus, fazendo com que ele fique preso/impactado a meio do trajecto, provocando obstipações graves que levam a uma dilatações enorme do cólon – o chamado megacólon. Na autópsia ao corpo de Elvis Presley, detectou-se um megacólon gigante e (claro) outras mazelas do consumo crónico de drogas.

A Doença de Hirschsprung deve-se a um mau desenvolvimento nervoso (ausência de células ganglionares autónomas) da parte final do intestino e afecta 1 em cada 5000 recém-nascidos. Pode ser mais ou menos grave, quanto maior (ou menor) for a porção do cólon distal afectar. Hoje em dia, a maior parte das crianças são diagnosticadas nos primeiros meses de vida, porque os casos de obstipação e distensão abdominal são investigados precocemente. Aliás, recém-nascido que não tenha uma dejeção nas primeiras 24 horas de vida deixa-nos logo de alerta. Se não tratada, a obstipação vai agravando, o cólon acumula fezes e dilata muito. Em casos mais graves, as fezes duras que acumulam no cólon podem ser ‘ultrapassadas’ por fezes líquidas que a criança não controla e perde para a cueca – um fenómeno chamado de soiling.
O tratamento da Doença de Hirschsprung é cirúrgico, pois temos que retirar a porção afectada e reconstruir o trajecto intestinal deixando o esficter anal intacto. O período de adaptação pós-operatório pode ser longo, mas passados 5 anos a maioria das crianças terão uma vida normal.
No seu livro de memórias de 2010, “The King and Dr. Nick: What Really Happened to Elvis and Me,” o médico de Elvis conta que durante a autópsia que o cólon de Elvis tinha o dobro do tamanho normal (“4-5 feet”) e que continha bário, um produto de contraste que Elvis tinha bebido vários meses antes durante um exame radiológico. Numa pessoa com trânsito intestinal normal, o bário bebido durante o exame demora 2-3 dias a ser expelido pelo ânus. Dr. Nick conta também que a obstipação de Elvis chegou ao ponto em que já não controlava a saída de fezes líquidas, o que provocava alguns embaraços nas actuações ao vivo (o tal soiling que falei anteriormente).
Segundo Mary Roach, a Doença de Hirschsprung de Elvis justificaria a necessidade de estimulação rectal desde bebé. Ela entrevistou Dr. Dan Warlick, médico e investigador forense presente na casa de banho onde Elvis foi encontrado e este admite que a disritmia cardíaca que levou à morte do Rei pode ter sido provocada pelo esforço de defecação exuberante (manobra de Valsalva). Este é um fenómeno frequente em doentes encontrados inconscientes na casa de banho.

fonte: radiologyspirit.blogspot.com
Quando temos suspeita de de Doença de Hirschsprung (megacólon congénito) fazemos um Rx abdominal com ou sem contraste, que nos dá imagens muito típicas. Ainda assim, o diagnóstico definitivo é feito por biópsia rectal, onde se confirmam as tais alterações nervosas que descrevi acima. Dr. Dan lembra-se do megacólon, mas como a hipótese de se tratar de Doença de Hirschsprung foi aventada apenas muitos anos mais tarde, nunca se realizou a análise histológica (biópsia) da peça que confirmaria/ou negaria este diagnóstico. Ficará para sempre a dúvida.
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